sábado, 21 de fevereiro de 2009

As noites das Beiras são MAIORES

A BEIRA

“É de Augusto Gil esta quadra de saboroso desenho:
Porque fui dançar na boda,
Em que foi que te ofendi?
Andei sempre à roda, à roda,
Mas sempre à roda de ti.
E é invariavelmente destes versos que me lembro quando penso na Beira.
Na verdade, todas as vezes que a visitei, olhei e perscrutei, a ver se consegui entendê-la, andei sempre à roda, à roda, e sempre à roda da mesma força polarizadora: - a Estrela.
Como aquelas divindades ciosas, que não consentem adoração a mais nenhum poder, só fascinado por ela o peregrino é capaz de caminhar e perceber. Beira quer já de si dizer beira da serra. Mas não contente com essa marca etimológica que lhe submete os domínios, do seu trono de majestade a esfinge de pedra exige a atenção inteira. Alta, imensa, enigmática, a sua presença física é logo uma obsessão. Mas junta-se à perturbante realidade uma certeza ainda mais viva: a de todas as verdades locais emanarem dela. Há rios na Beira? Descem da Estrela. Há queijo na Beira? Faz-se na Estrela. Há roupa na Beira? Tece-se na Estrela. Há vento na Beira? Sopra-o a Estrela. Há energia eléctrica na Beira? Gera-se na Estrela. Tudo se cria nela, tudo mergulha as raízes no seu largo e materno seio. Ela comanda, bafeja, castiga e redime. Gelada e carrancuda, cresta o que nasce sem a sua bênção; quente e desanuviada, a vida à sua volta abrolha e floresce. O Marão separa dois mundos – o minhoto e o transmontano. O Caldeirão, no pólo oposto de Portugal, imita-o como pode. Mas a Estrela não divide: concentra. O muro cresceu, alargou, e transformou-se na extensão que teria de partilhar. O pouco que ficou desse abraço, são flancos, abas, encostas e recorrências de aluvião.”
Miguel Torga, Portugal

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